A Única Igreja Verdadeira?
Ao longo da história da Igreja, diversos movimentos religiosos surgiram reivindicando para si o título de “único povo de Deus” ou “igreja verdadeira”. O adventismo não foge dessa tendência. Embora se apresente como uma denominação evangélica e cristã, a teologia oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia ensina que ela é a única igreja remanescente do tempo do fim, cumprindo as profecias de Apocalipse.
Essa doutrina exclusivista não é apenas um orgulho denominacional — é um elemento estrutural do adventismo. Está presente nos certificados de batismo, nos manuais doutrinários e nas pregações da liderança.
Neste artigo, vamos examinar essa ideia de exclusivismo, sua origem, implicações e, acima de tudo, como ela contraria a doutrina bíblica da igreja universal, invisível e multiforme de Cristo.
A afirmação adventista
De acordo com a Revista Adventista (edição de março de 2001, página 10):
“Cremos no futuro brilhante do movimento adventista, porque não somos uma simples igreja entre as demais. Somos o remanescente de Deus para o tempo do fim.”
Essa mesma ideia aparece nos certificados de batismo oficiais da Igreja, com a seguinte pergunta obrigatória aos candidatos:
“Você crê que a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a igreja remanescente da profecia bíblica?”
Além disso, documentos oficiais afirmam que todas as outras igrejas que não guardam o sábado, que ensinam a imortalidade da alma ou o tormento eterno, fazem parte da “Babilônia espiritual” mencionada em Apocalipse. Isso inclui igrejas presbiterianas, batistas, metodistas, luteranas, reformadas e pentecostais.
Para os adventistas, o remanescente fiel descrito em Apocalipse capítulo 12 versículo 17 (“os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus”) é exclusivamente a Igreja Adventista do Sétimo Dia — por guardar o sábado e seguir os escritos de Ellen White, tida como portadora do “espírito de profecia”.
A base bíblica mal interpretada
O adventismo constrói essa ideia sobre textos como:
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Apocalipse capítulo 12 versículo 17
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Apocalipse capítulo 14 versículo 12
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Apocalipse capítulo 18 versículo 4
Mas essa interpretação ignora:
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O contexto histórico e simbólico de Apocalipse
O “remanescente” em Apocalipse não é uma denominação humana específica, mas o povo fiel de Deus em todos os tempos, que persevera em meio à perseguição. -
A linguagem profética é figurada, não denominacional
Apocalipse usa símbolos: dragões, trombetas, taças, bestas. Reduzir o “remanescente” a uma única organização fundada no século XIX é forçar o texto além do que ele permite. -
A guarda dos mandamentos não se limita ao sábado
João fala de crentes que amam a Deus e obedecem seus preceitos — o que inclui milhares de cristãos fiéis em várias denominações ao redor do mundo. -
A “Babilônia” não são as igrejas evangélicas
Na tradição reformada, Babilônia representa o sistema religioso apóstata e corrompido que se opõe ao evangelho — não necessariamente outras igrejas cristãs.
Por que o exclusivismo é perigoso?
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Rebaixa a graça de Deus a um clube institucional
Se apenas uma igreja — com nome, sede e estrutura humana — é a única verdadeira, então a graça está restrita ao CNPJ. Isso é contrário ao ensino de Jesus:
“O vento sopra onde quer…” (João capítulo 3 versículo 8)
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Nega a existência da igreja invisível
A teologia reformada ensina que a igreja de Cristo é una, santa, universal e invisível — composta por todos os crentes regenerados, de todas as eras e lugares, independentemente de denominação.
“O Senhor conhece os que lhe pertencem.” (2 Timóteo capítulo 2 versículo 19)
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Promove orgulho espiritual e sectarismo
Quando um grupo se vê como “a única igreja verdadeira”, inevitavelmente desenvolve uma visão elitista, dificultando a comunhão com os demais cristãos e incentivando a suspeita e a rejeição.
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Ignora a unidade essencial dos cristãos
“Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança…” (Efésios capítulo 4 versículo 4)
A Bíblia não diz que o corpo de Cristo é a Igreja Adventista do Sétimo Dia. O corpo é composto por todos os regenerados, de diferentes culturas, denominações e épocas.
A resposta reformada: Igreja visível e invisível
A teologia reformada distingue entre:
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Igreja visível: é a reunião dos crentes professos, em denominações organizadas, com liderança, sacramentos e disciplina.
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Igreja invisível: é o conjunto de todos os verdadeiros crentes, salvos pela graça, que pertencem a Cristo mesmo que nunca tenham conhecido uma instituição específica.
A igreja verdadeira não está restrita a uma placa, uma data de fundação ou a guarda do sábado.
Ela é composta por todos que nasceram de novo e confessam Jesus como Senhor e Salvador.
“Em toda nação, aquele que o teme e faz o que é justo, lhe é aceitável.” (Atos capítulo 10 versículo 35)
E mais: não há denominação perfeita. Toda igreja local possui erros, limitações e pecados. O que caracteriza uma igreja verdadeira é a pregação fiel do evangelho, a correta administração dos sacramentos e a prática da disciplina bíblica — não a aceitação de Ellen White ou o culto no sábado.
Conclusão
A doutrina do exclusivismo adventista não apenas é antibíblica — ela é espiritualmente perigosa.
Ela separa onde Cristo uniu, despreza cristãos sinceros e substitui a graça por identidade denominacional.
A igreja verdadeira é formada não pelos que seguem um profeta moderno ou guardam um calendário cerimonial, mas pelos que foram lavados pelo sangue do Cordeiro.
“E com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação.” (Apocalipse capítulo 5 versículo 9)
Se alguém se diz cristão, mas não crê que há salvos fora de sua igreja, esse alguém não entendeu o evangelho.