O Bode Emissário: Cristo ou o Diabo?
Dentre as doutrinas adventistas que mais surpreendem os cristãos evangélicos, uma se destaca por seu grau de ousadia e distorção bíblica: a crença de que, no final da história, os pecados dos salvos serão lançados sobre Satanás, o qual então será destruído juntamente com esses pecados.
Segundo essa doutrina, o diabo é identificado com o “bode emissário” de Levítico capítulo 16, no ritual do Dia da Expiação. Ellen G. White e autores adventistas afirmam que esse bode representa Satanás, que arcará com os pecados dos redimidos.
Essa ideia, no entanto, não encontra sustentação na teologia bíblica. Ao atribuir a Satanás um papel no processo redentor, a doutrina adventista deturpa a obra de Cristo, compromete a doutrina da expiação e ameaça a centralidade da cruz.
Neste artigo, vamos examinar o ritual do bode emissário à luz das Escrituras, expor o ensino adventista e contrastá-lo com a clareza da fé reformada.
O Dia da Expiação e os dois bodes
Em Levítico capítulo 16, o Senhor institui o Yom Kippur, o Dia da Expiação. Nessa ocasião, o sumo sacerdote oferecia sacrifícios pelos pecados de todo o povo de Israel. Dois bodes eram escolhidos:
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Um era sacrificado, e seu sangue era aspergido no Santo dos Santos, simbolizando a propiciação dos pecados diante de Deus.
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O outro, o bode emissário (ou Azazel), recebia, simbolicamente, a transferência dos pecados por meio da imposição das mãos do sacerdote, e então era enviado vivo ao deserto.
Esse ritual comunicava duas verdades: a expiação pela morte substitutiva (bode sacrificado), e a remoção simbólica da culpa (bode emissário que levava os pecados para longe do povo).
O ponto central aqui é que ambos os bodes faziam parte de uma só oferta expiatória. Ambos representavam Cristo: um como aquele que morre pelos nossos pecados, o outro como aquele que remove os pecados de nós (Salmo capítulo 103 versículo 12).
A interpretação adventista
Ellen G. White escreveu, no livro O Grande Conflito:
“O bode emissário tipifica Satanás, o autor do pecado, sobre quem os pecados dos verdadeiros penitentes serão finalmente colocados.”
Segundo ela, no juízo final, Cristo transferirá os pecados dos crentes para Satanás, e ele será destruído juntamente com esses pecados. Isso faria dele, de alguma forma, co-participante no processo da eliminação do pecado do universo.
A implicação é grave: Satanás teria um papel expiatório — mesmo que involuntário — na justiça de Deus. O diabo seria não apenas punido, mas também “portador” da culpa dos salvos.
Essa é uma das doutrinas mais ofensivas ao evangelho da graça. A Bíblia jamais sugere que Satanás receba pecados de ninguém — ao contrário, ele é o acusador, não o redentor. A ideia de que ele “leva” nossos pecados é, no mínimo, uma perversão da verdade.
O ensino das Escrituras
A Bíblia é absolutamente clara: quem leva os pecados do povo é Cristo, e somente Cristo.
“Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores… ele foi traspassado pelas nossas transgressões.”
(Isaías capítulo 53 versículos 4-5)
“Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.”
(João capítulo 1 versículo 29)
“Cristo se ofereceu uma só vez para levar os pecados de muitos…”
(Hebreus capítulo 9 versículo 28)
“Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro.”
(1 Pedro capítulo 2 versículo 24)
A ênfase das Escrituras é inequívoca: Cristo é o sacrifício, o substituto e o portador de nossos pecados. Ele não divide essa obra com anjos, profetas ou, muito menos, com Satanás.
Problemas teológicos da doutrina adventista
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Fere a exclusividade de Cristo como nosso Redentor.
O sacrifício de Jesus é completo, perfeito e suficiente. Dizer que Satanás recebe os pecados é sugerir que a cruz não foi o ponto final. -
Distorce a tipologia bíblica.
Tanto o bode sacrificado quanto o bode emissário apontam para aspectos diferentes da obra de Cristo. O primeiro representa a morte vicária. O segundo, a remoção do pecado. Não há base bíblica para dizer que o bode emissário é Satanás. -
Atribui valor expiatório a Satanás.
Mesmo indiretamente, a doutrina afirma que o diabo sofre pelos pecados dos santos. Isso é uma blasfêmia contra a cruz. Cristo sofreu sozinho. “Ele pisou o lagar, e dos povos nenhum houve com ele.” (Isaías capítulo 63 versículo 3) -
Confunde castigo com expiação.
É verdade que Satanás será punido. Mas será por sua própria rebelião. Ele não arcará com pecados alheios. O castigo dele não é parte do plano redentor de Deus. -
Enfraquece a glória da cruz.
Em vez de centralizar toda a esperança no sangue de Jesus, a doutrina do bode emissário aponta para um desfecho extrabíblico, onde o diabo se torna peça final do plano da salvação.
A visão reformada
A teologia reformada exalta a suficiência da cruz de Cristo. Toda tipologia do Antigo Testamento se cumpre nele. O sacerdote, o sacrifício, o cordeiro, o propiciatório, o sangue — tudo encontra seu clímax no Filho de Deus encarnado.
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós.”
(Gálatas capítulo 3 versículo 13)
“E, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da majestade nas alturas.”
(Hebreus capítulo 1 versículo 3)
Não há mais obra a ser feita. Não há mais pecados a serem transferidos.
Cristo os levou todos.
Cristo os eliminou todos.
Cristo recebeu todo o castigo.
Satanás, no fim, não será o portador de nossos pecados. Será o receptor da justa ira de Deus, por sua rebelião, mentiras e violência. Mas não fará parte do plano de redenção — nem mesmo como bode.
Conclusão
A doutrina adventista da transferência de pecados para Satanás é mais do que um erro teológico — é uma ofensa ao evangelho. Ao atribuir ao inimigo de Deus qualquer participação na obra da redenção, ela subverte o testemunho da cruz e confunde os símbolos do Antigo Testamento.
A Bíblia nos mostra um Cristo todo suficiente, todo-poderoso e completamente eficaz. Ele não precisa de ajuda. Ele não divide glória. E Ele não transfere culpa.
Na cruz, o Cordeiro de Deus levou, de uma vez por todas, os pecados do Seu povo.
E Ele mesmo os lançou tão longe quanto o Oriente está do Ocidente.
Não há mais condenação. Não há mais dívida. E certamente, não há participação de Satanás nisso.