Introdução
Maturidade espiritual não é apenas uma ideia bonita ou um conceito teológico reservado a pastores e seminaristas. É uma necessidade real, urgente, pessoal. E talvez mais rara do que imaginamos. Muitas vezes, confundimos idade de conversão com crescimento espiritual. Alguém pode estar na igreja há vinte anos e ainda se alimentar de “leite”, enquanto outro, com apenas alguns anos de fé, já se encontra desfrutando de alimento sólido. A maturidade espiritual, portanto, não depende do tempo, mas do quanto temos crescido em discernimento, prática e profundidade no conhecimento de Deus.
O autor da carta aos Hebreus tocou precisamente nessa ferida. Ele confronta uma igreja cansada, perseguida, e que flertava perigosamente com o retrocesso. Em Hebreus capítulo cinco, do verso onze ao quatorze, e capítulo seis, dos versos um a três, encontramos uma exortação firme e cheia de zelo pastoral, chamando o povo de Deus ao crescimento. A mensagem é clara: não podemos viver estacionados na fé. É tempo de avançar, amadurecer e deixar de lado as sombras, abraçando a plenitude da verdade revelada em Cristo.
1. O Contexto do Alerta: Hebreus e a Tentação do Retrocesso
A carta aos Hebreus foi escrita para cristãos judeus que estavam sendo fortemente tentados a abandonar o evangelho e retornar ao judaísmo. A perseguição apertava, os bens estavam sendo confiscados, o ambiente era hostil, e o coração vacilante. Muitos estavam considerando voltar para aquilo que lhes era familiar, confortável, ainda que espiritualmente ineficaz.
Diante disso, o autor — ainda que não tenhamos certeza absoluta de quem seja — escreve com autoridade e ternura. Ele apresenta Cristo como o ápice da revelação divina: superior aos anjos, aos profetas, a Moisés, a Arão, ao templo, aos sacrifícios. Tudo no Antigo Testamento apontava para Ele, como sombras que cedem lugar à luz quando o sol nasce. Voltar ao judaísmo seria como voltar a viver nas sombras, ignorando o cumprimento da promessa.
É nesse pano de fundo que o autor denuncia a imaturidade espiritual da igreja. Eles já deveriam ser mestres — exemplos vivos da fé — mas ainda precisavam de ensino básico. Tinham se tornado “tardios em ouvir”, e isso era sinal claro de um crescimento travado.
2. Tardios em Ouvir: A Primeira Evidência da Imaturidade
“Porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir” (Hb 5:11).
Essa expressão é forte. Não é que os irmãos fossem naturalmente lentos para entender, mas que se tornaram assim. Ou seja, houve um retrocesso. A mente se fechou, o coração endureceu, a sensibilidade à Palavra foi enfraquecida. Tornaram-se apáticos.
Essa surdez espiritual é perigosa. Quando deixamos de ouvir com atenção, de nos colocar humildemente sob a Palavra, corremos o risco de resistir às verdades mais profundas. O ensino sobre Melquisedeque — personagem que aparece brevemente no Antigo Testamento — exigia atenção, reverência e maturidade. Mas os irmãos estavam acomodados. Preferiam o conforto do que já conheciam, em vez de se esforçar para compreender o que era mais elevado.
Quantos de nós, hoje, nos enquadramos aqui? Quantas vezes a Bíblia se torna difícil simplesmente porque nosso coração está fechado, preguiçoso, sem disposição de aprender? A maturidade espiritual começa com ouvidos atentos e desejo sincero de ouvir a voz de Deus, mesmo quando ela nos confronta.
3. Tempo de Fé Não Garante Crescimento
“Quando devia ser mestres… tendes novamente necessidade de que alguém vos ensine de novo…” (Hb 5:12)
Aqui o autor coloca o dedo na ferida. O tempo havia passado. Aqueles crentes já tinham ouvido o suficiente, já tinham caminhado o bastante para ensinarem outros. Mas estavam andando em círculos. Repetindo os mesmos rudimentos, engatinhando espiritualmente quando já deviam correr.
É como um adulto que, depois de anos de estudo, volta à alfabetização básica. É um retrocesso absurdo. E mais: perigoso.
Deus espera de cada um de nós progresso. Não estamos na fé para girar em torno do básico. As doutrinas elementares — arrependimento, fé, batismos, imposição de mãos, ressurreição, juízo eterno — são fundamentais, sim. Mas são a base. São o “abc” da fé. E o que se faz com uma base? Constrói-se sobre ela.
A maturidade não vem automaticamente com o tempo. Ela exige prática, esforço, obediência. Ela vem quando colocamos em ação aquilo que ouvimos.
4. Leite ou Comida Sólida? A Dieta do Crente
“…vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido” (Hb 5:12)
Nada contra o leite. Ele é essencial — para os recém-nascidos. Um bebê precisa de leite. Mas se ele permanece assim por anos, temos um problema grave.
O alimento sólido, por sua vez, é para os que cresceram. São os que já passaram pela fase do básico, que conhecem os fundamentos e agora avançam para compreender, discernir e viver os mistérios mais profundos da fé.
Na vida espiritual, não é diferente. Muitos querem experiências profundas com Deus, revelações celestiais, discernimento espiritual — mas continuam bebendo leite. Não conhecem as Escrituras. Não se firmam na verdade. Não praticam o que ouvem. A maturidade exige alimento sólido. E esse alimento exige mastigação, digestão, paciência, disciplina.
5. Maturidade se Revela na Prática
“O alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal” (Hb 5:14)
Aqui está uma das definições mais claras de maturidade espiritual: discernimento treinado pela prática. Não é apenas saber teologia. É viver teologia. Não é apenas ter boas respostas. É ter vida transformada.
Há muitos que sabem citar versículos, defender doutrinas, refutar heresias… mas não vivem o que sabem. A maturidade verdadeira se mede na vida diária: nas escolhas, nas atitudes, no fruto que produzimos. Mente treinada. Coração moldado. Vontade submetida. Isso é maturidade.
A criança espiritual engole qualquer coisa — uma heresia, um modismo, uma bobagem — porque não tem crivo. O adulto espiritual discerne. Sabe distinguir a verdade do engano. Sabe avaliar o que está ouvindo, vendo, praticando. E isso só se adquire com tempo, Bíblia aberta, joelhos dobrados e obediência constante.
6. Rumo ao Que é Perfeito: A Jornada Não Pode Parar
“Deixemos os princípios elementares da doutrina de Cristo e prossigamos para o que é perfeito” (Hb 6:1)
O chamado aqui é claro: siga em frente. Não fique estagnado nos rudimentos. Não fique apenas na superfície. O verbo usado no original sugere um “ser levado para a maturidade” — um movimento contínuo, conduzido por Deus, mas que exige nossa participação.
O caminho da fé é uma jornada. E nessa jornada não há lugar para a estagnação. Ou avançamos, ou retrocedemos. A maturidade espiritual é como remar contra a correnteza: se você para, inevitavelmente será levado para trás.
Paulo mesmo reconheceu que ainda não havia alcançado a perfeição plena. Mas uma coisa ele fazia: prosseguia para o alvo. Essa deve ser a nossa postura. Prosseguir. Sempre. Com fome de Deus. Com sede de santidade. Com disposição para crescer, mesmo em meio às lutas.
Conclusão
A maturidade espiritual não é um troféu que recebemos depois de um tempo de fé. É uma caminhada constante, às vezes cansativa, mas gloriosa. Ela é demonstrada em ouvidos atentos, em mente renovada, em coração disposto a obedecer, e em vida moldada pela verdade.
Os crentes aos quais Hebreus foi escrito estavam sendo tentados a voltar atrás. Mas o autor, cheio de amor e coragem, os chama à frente. Não para uma fé rasa, mas para uma fé firme, madura, sólida. O mesmo chamado ecoa hoje, no nosso tempo, com seus próprios desafios e pressões.
Que sejamos encontrados crescendo. Que nossas igrejas sejam viveiros de crentes maduros, não orfanatos eternos de espiritualidade infantil. Que a Palavra nos leve adiante, cada dia mais, até que todos cheguemos “à medida da estatura da plenitude de Cristo”.