O Santuário Celestial: Verdade Bíblica ou Invenção de 1844?
Uma doutrina-chave no adventismo, pouco conhecida fora do movimento, é a crença de que Jesus, ao ascender aos céus, teria ingressado em um “santuário celestial” com compartimentos semelhantes ao tabernáculo do Antigo Testamento. Segundo essa doutrina, Cristo teria atuado por séculos no lugar santo e somente em 1844 teria entrado no lugar santíssimo — iniciando, então, uma nova fase de Seu ministério: o juízo investigativo.
Essa crença, profundamente ligada à visão de Hiram Edson após o fracasso da profecia de 1844, é usada pelos adventistas para justificar a mudança de expectativa da volta de Cristo para uma obra celestial invisível. No entanto, à luz da teologia reformada e da clareza das Escrituras, essa doutrina revela-se profundamente equivocada.
Neste artigo, vamos analisar essa concepção de santuário celestial, contrastando-a com o ensino bíblico sobre a obra consumada de Cristo e a função tipológica do tabernáculo mosaico.
O conceito adventista do Santuário
Segundo os escritos de Ellen G. White e os manuais doutrinários adventistas, o santuário celestial é um local literal nos céus, dividido em dois compartimentos: o lugar santo e o santíssimo. Cristo, após sua ascensão, teria entrado apenas no primeiro compartimento, e só em 1844 teria passado ao segundo, iniciando ali a purificação do santuário e o julgamento dos crentes.
Essa crença se apoia numa leitura específica de Daniel capítulo 8 versículo 14:
“Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado.”
Para o adventismo, essa purificação é o início do ministério de Cristo no santíssimo celestial. Isso é interpretado como um processo literal de expiação no céu — como se a cruz não tivesse encerrado a obra de redenção.
No tabernáculo do Antigo Testamento, o sacerdote realizava sacrifícios no átrio, ministrava no lugar santo diariamente, e apenas uma vez por ano entrava no santíssimo — no Dia da Expiação — para aspergir sangue sobre o propiciatório, como símbolo da purificação dos pecados do povo.
Os adventistas afirmam que Cristo, como nosso Sumo Sacerdote, segue esse modelo em um tabernáculo celestial literal — e que, portanto, Sua entrada no lugar santíssimo só poderia ocorrer ao final das 2.300 tardes e manhãs (1844).
O ensino bíblico sobre o Santuário
A carta aos Hebreus é o texto mais completo do Novo Testamento sobre o sacerdócio de Cristo. E ela deixa claro que Cristo já entrou no verdadeiro santuário, no céu, e já realizou a obra redentora completa:
“Cristo, porém, tendo vindo como sumo sacerdote dos bens já realizados, […] penetrou no santuário, não com sangue de bodes e bezerros, mas com seu próprio sangue, e obteve eterna redenção” (Hebreus capítulo 9 versículo 12).
Não há menção de compartimentos celestiais, nem de uma espera de 1.800 anos para que Jesus entrasse no “santo dos santos”. Pelo contrário, a Escritura ensina que Cristo, logo após Sua ascensão, entrou na presença do Pai, como nosso Intercessor e Redentor vitorioso:
“Por isso também pode salvar totalmente os que por ele se achegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hebreus capítulo 7 versículo 25).
Além disso, o autor de Hebreus afirma que a antiga aliança e seu tabernáculo eram sombras e figuras do verdadeiro:
“Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote […] o qual ministrava no santuário e no verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (Hebreus capítulo 8 versículo 1-2).
A ênfase aqui é que Cristo já está no santuário verdadeiro — não que Ele ainda estivesse à espera de ingressar nele, ou que houvesse compartimentos e fases a serem cumpridas.
Implicações da doutrina adventista
A doutrina do santuário celestial tem consequências teológicas perigosas:
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Diminui a centralidade da cruz
Ao afirmar que a purificação do pecado começou apenas em 1844 no céu, essa doutrina nega o valor completo e eficaz do sacrifício de Cristo na cruz. Isso é contrário ao ensino bíblico de que Cristo ofereceu-se “uma vez por todas” (Hebreus capítulo 10 versículo 10). -
Cria uma teologia baseada em cronogramas ocultos
A interpretação das 2.300 tardes e manhãs, calcada em cálculos e datas arbitrárias, substitui o claro ensino das Escrituras por especulações proféticas. -
Desvia o foco da fé para um ritual celestial desconhecido
Em vez de os crentes descansarem na obra concluída de Cristo, são levados a olhar para um ministério em andamento, invisível, interpretado exclusivamente pelos escritos de Ellen White. -
Rompe com a tradição histórica cristã
Nenhum dos pais da igreja, reformadores ou teólogos históricos jamais ensinou essa doutrina. Trata-se de uma invenção do século XIX, nascida de uma tentativa de salvar uma profecia fracassada.
A resposta reformada
A teologia reformada afirma com clareza: Cristo é suficiente. Sua morte expiatória, sua ressurreição e sua ascensão garantem plenamente a salvação dos eleitos. Não há nada a completar ou corrigir.
O tabernáculo do Antigo Testamento era apenas uma sombra da realidade futura. Quando Cristo veio, Ele cumpriu todo simbolismo: o sacerdote, o sacrifício, o véu, o sangue e o propiciatório. Tudo apontava para Ele. Agora que Ele veio, o véu se rasgou (Mateus capítulo 27 versículo 51), o acesso está aberto e a expiação foi plenamente realizada.
Portanto, não é preciso imaginar compartimentos celestiais ou novas fases do ministério de Cristo. Ele está sentado à direita de Deus (Hebreus capítulo 1 versículo 3), o que simboliza obra concluída, não processo em andamento.
Conclusão
A doutrina do santuário celestial, como proposta pelo adventismo, nasce de uma necessidade histórica — justificar o fracasso de uma profecia. Mas na tentativa de “salvar” uma expectativa frustrada, criou-se uma teologia que contradiz a clareza, suficiência e perfeição da obra de Cristo.
A fé reformada aponta para um Cristo que entrou no Santo dos Santos celestial com Seu próprio sangue, ofereceu-se uma vez por todas e conquistou eterna redenção para Seu povo. Essa é a verdade gloriosa do evangelho.
Não precisamos de fases, datas ou compartimentos celestiais para confiar em nossa salvação. Precisamos apenas de Cristo — o Cordeiro que foi morto, mas agora vive, e reina eternamente.